Supremo Tribunal Federal impede Cremesp de solicitar prontuários de pacientes que realizaram aborto legalizado
Ministro do STF impede Cremesp de acessar prontuários médicos de aborto legal em São Paulo
Por Cláudia Collucci
(Folhapress) – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) não pode requisitar prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal em qualquer hospital do estado de São Paulo. A decisão foi divulgada nesta terça-feira (10).
Razões da Decisão
No despacho, o ministro justificou a decisão alegando que a medida se deu “diante de notícias reportando novas solicitações do Cremesp por prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal no HCFMB (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu), vinculado à Unesp (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho)”.
A Folha de S.Paulo revelou que o conselho tem realizado operações para fiscalizar o aborto legal nos hospitais do estado, requisitando acesso aos prontuários das pacientes que utilizaram o serviço de interrupção legal da gravidez.
Fiscalizações e Proibições
Em 12 de novembro, o Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), foi alvo de um médico fiscal enviado pelo Cremesp para avaliar o serviço. Na terça-feira (3), o conselho demandou documentos de pacientes que realizaram aborto legal no hospital vinculado à Unesp. Ainda nesse dia, o ministro ordenou que o presidente do Cremesp fosse intimado, proibindo também o estado e o município de São Paulo de fornecerem dados pessoais de prontuários médicos de aborto legal. Segundo o ministro, não há justificativa para tais requisições.
O Cremesp foi intimado a esclarecer se as requisições realmente ocorreram e, caso confirmadas, o presidente do órgão poderá ser responsabilizado pessoalmente, conforme o despacho. A direção do Hospital das Clínicas de Botucatu e o município também receberam intimações para ciência da proibição.
Decisão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
A decisão foi tomada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1141, proposta pelo PSOL, contra uma resolução do Cremesp que proíbe a técnica de assistolia fetal para interrupção de gestações acima de 22 semanas em casos de estupro. A técnica é recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para interrupção de gestações avançadas. Em maio, o relator suspendeu a resolução em caráter liminar e proibiu a abertura de procedimentos administrativos ou disciplinares baseados nela.
Resposta do Cremesp
O presidente do Cremesp, Angelo Vattimo, em resposta à intimação do STF, negou qualquer descumprimento das decisões do tribunal. Em ofício ao Supremo, afirmou que desde a liminar de 24 de maio, suspendeu a tramitação de todas as sindicâncias e processos ético-profissionais em relação aos procedimentos de aborto legal. O conselho alega que não instaurou nenhum processo administrativo disciplinar.
Sobre a fiscalização no hospital da Unicamp, o Cremesp declara que faz parte de suas funções legais e rotineiras. Entre janeiro e outubro deste ano, foram realizadas 521 fiscalizações proativas e 748 reativas.
“O objetivo é verificar as condições de funcionamento dos estabelecimentos de saúde, a prática médica nos locais, a organização das comissões obrigatórias, dos prontuários, das escalas e da equipe médica, bem como suas prescrições e todos os demais aspectos do processo de trabalho.”
O conselho afirma que não houve descumprimento da determinação de Moraes: “Ao contrário do que consta na matéria, não houve qualquer descumprimento por parte do Cremesp de decisão prolatada pelo Poder Judiciário, especialmente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.” A reportagem da Folha de S.Paulo sobre a fiscalização no hospital de Botucatu não contém tais afirmações.
Pedido do Cremesp ao STF
O Cremesp solicitou ao STF a possibilidade de continuar requisitando prontuários aos hospitais do Programa Aborto Legal, caso necessário, com prazo estendido para entrega e com dados das pacientes ocultados antes da entrega ao Cremesp. “Não aceitaremos os prontuários requeridos à Unicamp e Unesp, diante da decisão de Vossa Excelência”, afirmou em nota à Folha de S.Paulo enviada em 3 de dezembro.
O conselho explica que a operação visa garantir a regularidade do programa de aborto legal, verificando tanto o cumprimento quanto o eventual descumprimento das normas estabelecidas. A análise inclui a estrutura, documentação e qualidade das práticas médicas, assegurando alinhamento aos princípios éticos, legais e técnicos exigidos por lei.